quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Nascido na praça do Campo Pequeno



O calendário marcava o dia 14 de Fevereiro de 1946 quando Armando Jorge Teixeira nasceu numa localização pouco habitual, dentro da praça de touros do Campo Pequeno, onde trabalhavam os seus avós maternos.

"Eu morava naquelas duas janelas, nasci em frente à segunda", na zona lateral do edifício, junto à entrada do sector sete, contou Armando Jorge Teixeira à agência Lusa à chegada à praça que comemora 125 anos esta sexta-feira.
A praça que o viu nascer viu-o também crescer ao longo de duas décadas, enquanto morou com o avô, mestre-de-obras do Campo Pequeno durante quase 60 anos.
A par dos seus avós, a praça era também o lar de outra família. Ambas habitavam "casas normais", referiu Armando Jorge Teixeira.
"Quando vim da tropa já o meu avô estava muito doente, teve de se ir embora para casa dos meus pais e eu saí daqui", disse.
Apesar do carinho que criou por aquele lugar e de ser um aficionado desde pequeno, Armando nunca chegou a trabalhar no Campo Pequeno nem a entrar na arena, mas continua ligado à tauromaquia e à organização de corridas.
"Trabalhei num banco e agora sou empresário tauromáquico, mas isso foi uma opção de vida pós reforma [...], uma vida toda ligado aos touros porque é o que eu gosto, era impossível não ficar", salientou.
Durante a infância, o quarteirão onde ainda se vêem as mesmas árvores e "onde não passavam carros" era o seu recreio, onde Armando aprontava malandrices.
"Andávamos aqui a dar fisgadas aos pássaros, jogávamos à bola à volta da praça e tínhamos todos os nossos amigos aqui", disse. Amizades reforçadas nas rivalidades entre bairros e que ainda hoje se mantêm, mas que não entravam na praça, porque "o avô era muito rigoroso e não deixava".
"De vez em quando lá aparecia o carro da polícia, que era o 'creme nívea', e tocava tudo a fugir, até que uma altura um foi apanhado", apontou.
Quando fazia asneiras, a avó fechava-o dentro do museu.
"Eu conheço as peças do museu, ainda hoje tenho memória das peças que lá estavam, porque eu, de raiva, não queria estudar e estava era a ver aquilo tudo, lia aquilo tudo", expôs à Lusa, acrescentando que também a capela foi local de castigo.
"Também fui muitas vezes de castigo para a capela. Um dia tinham posto lá flores, deixaram-me lá ficar e encontraram-me desmaiado", recordou Armando Jorge Teixeira.
Tantas horas passadas a analisar o espólio do museu, permitem-lhe dizer que se perderam "muitas coisas valiosas, até peças de ouro", ou "todos os retratos, todas aquelas capas, aqueles fatos dos toureiros, alguns dos que morreram aqui, que tinham inclusivamente os fatos com sangue, isso desapareceu tudo".
Entretanto, com as obras de requalificação que o espaço sofreu entre 2000 e 2006, a configuração mudou. O museu, que habitualmente pode ser visitado no primeiro andar, encontrava-se no piso térreo, ao lado da capela, que agora se localiza à entrada da arena.
"Hoje já não será a mesma coisa, já não posso dizer que conheço, porque isto está tudo mudado", referiu, admitindo porém que "está melhor".
Quanto às memórias que guarda, Armando lembra uma tentativa de evocação das antigas entradas dos toiros a pé na praça, vindos da Calçada de Carriche.
"Dos seis que saíram de lá, salvo erro, só chegou aqui um... quando chegaram ao Campo Grande apanharam um espaço aberto, aquilo foi uma festa", apontou.
Armando recorda ainda os aprendizes, apelidados pelo seu avô de 'toureiros de inverno', que assustavam quem passava mascarados com uma cabeça de toiro.
"Havia uns que largavam a lancheira do almoço, outros que desatavam a correr, outros que faziam 'xixi' pelas pernas abaixo, acontecia tudo e mais alguma coisa", elencou.
Actualmente, Armando Teixeira mantém a ligação ao Campo Pequeno através de um lugar cativo que tem na praça para ver as corridas.

- in "O Jogo"/Agência Lusa

Foto Emílio de Jesus