segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Foste enganado, Paulo. Mas pior que ser enganado, foi deixares que te enganassem assim...



Miguel Alvarenga - Numa claríssima entrevista a Hugo Calado no site toureio.pt, o empresário Paulo Pessoa de Carvalho põe muitos pontos nos iis e confirma aquilo que já por aí corria à boca cheia: os toiros da ganadaria Santa Maria que no passado dia 3 (corrida nocturna da Feira de Outubro) apareceram na praça de Vila Franca não eram aqueles que tinham sido escolhidos no campo. Por outras palavras e chamando os bois pelos nomes, Paulo Pessoa confirma que foi enganado. Mas, mais grave que ser enganado, é o facto de se ter deixado enganar.
Um ganadero assumir que são estes os toiros escolhidos e depois mandar outros para a praça com desculpas esfarrapadas, um tinha cegado, outros não se tinham conseguido embarcar, etc., etc., não é coisa que aconteça todos os dias. Não acontece com outras empresas - e com outros ganaderos -, porque é que aconteceu com Paulo Pessoa?
Quem sai chamuscado neste filme é, obviamente, o ganadero e aqueles que com ele colaboram e trabalham e permitiram que isto acontecesse.
Mas Paulo Pessoa também não fica bem no retrato. E não fica por que se deixou enganar. E não podia. Ou não devia.
Conheço o Paulo do nosso tempo de miúdos, ainda nem era forcado e muitos menos sonhava ser empresário. É, foi sempre, um homem sério, empreendedor, apaixonado pelas coisas que faz, dinâmico nas organizações que leva a cabo. Nunca foi um aldrabão, como alguns que aí caíram de paraquedas na Festa.
O Paulo é, apenas e só, demasiado ingénuo, demasiado infantil, romântico até dizer chega e isso significa pouco profissional. Anda cá há tantos anos e parece que ainda não sabe o que grassa por aí neste ambiente. Por isso se deixou enganar.
Vila Franca de Xira não é propriamente a praça de toiros de Freixo de Espada à Cinta. Para se estar à frente da “Palha Blanco”, tem que se ser altamente profissional. E isso, meus amigos, o Paulo não é.
Primeiro, andou a saber de toiros para a Feira de Outubro um mês antes (ou quase) da sua realização, quando o devia ter feito logo no início do ano. Mas andou mais ocupado com a organização da Festa do Vinho em Alenquer (que foi um sucesso) e “deixou andar” Vila Franca
Depois, e já confessou na referida entrevista que isso foi um erro, elegeu dez toiros da ganadaria Santa Maria para a Feira, seis para terça-feira e quatro para quinta-feira. Um claro disparate que dá mesmo a ideia de que tudo foi feito à pressa e em cima do joelho.
O que aconteceu em Vila Franca não vemos, pelo menos com frequência, acontecer noutras praças. Há mecanismos, tão simples, para um empresário não se deixar comer por parvo por um ganadero. E o Paulo não os accionou.
Na manhã do embarque dos toiros, o representante da ganadaria, Diogo Costa (Malafaia), como ele próprio esclareceu no comunicado que enviou à imprensa a sacudir a água do seu capote, perguntou a Paulo Pessoa se alguém da empresa queria estar presente e a resposta foi um “não”. Paulo Pessoa acreditou na palavra do ganadero, nos toiros que havia escolhido no campo. E uma vez mais “deixou andar”. Falta de profissionalismo. Mas sobretudo ingenuidade. Se ele não engana as pessoas, terá imaginado que também não o iriam enganar a si. É um puro. Fruto do bom carácter com que foi formado, fruto da boa educação e dos princípios e valores que aprendeu e herdou de seus pais.
E quando os toiros chegaram à praça e se verificou que eram outros e não os escolhidos e resenhados para a corrida, e ainda para mais pequenotes e três reprovados pelo veterinário, Paulo Pessoa procurou remendar as coisas e trazer três toiros de outra ganadaria. Mesmo assim, ficou lá um animalzinho ridículo, o que saíu em terceiro lugar para João Telles. O “toiro” da bronca.
Já não podia ter feito nada? Eu tinha feito. Pura e simplesmente, dava a cara, explicava aos aficionados que tinha acabado de ser enganado pelos responsáveis pela ganadaria e cancelava a corrida em nome do respeito que é preciso ter por Vila Franca e pela sua (complicada, exigente e sempre protestante) aficion. Não teria sido pior a emenda que o soneto. Era capaz de ter havido bronca na mesma, de lhe chamarem nomes na mesma, mas Paulo Pessoa teria ficado melhor no retrato. Se a culpa era da ganadaria, chamava os bois pelos nomes, reconhecia que tinha sido ingénuo e pouco profissional, mas salvava a honra do convento e evitava tudo o que aconteceu depois à noite.
Já há um ano, é preciso não esquecer, tinha sido enganado pela ganadaria Miura, que mandou para a “Palha Blanco” pelo menos um toiro que não fazia parte do lote que tinha sido eleito no campo. E deixou que acontecesse segunda vez. Ingenuidade e falta de profissionalismo, repito.
Paulo Pessoa foi, de facto, “armadilhado”. Não acredito que tenha sido um complot engendrado por terceiros para o correr de Vila Franca. Foi, apenas e só, uma falta, também, de profissionalismo - e sobretudo de seriedade - dos responsáveis pela ganadaria Santa Maria - que acabou por ser um realíssimo retrato de como vão as coisas na nossa Tauromaquia. E que o empresário acabou por pagar bem caro - e podia ter evitado. Bastava que no dia da corrida tivesse vindo a terreiro dar a cara e explicar aos aficionados que não dava a corrida porque tinha sido enganado e os toiros que estavam na praça não eram os que ele tinha escolhido.
Demonstrava e confessava uma gritante falta de profissionalismo. Perdia Vila Franca na mesma. Mas perdia-a com mais dignidade.

Foto Maria Mil-Homens